quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Teoria Geral dos Contratos.

Aula 01 Prof. Pablo Stolze Gagliano

1. Visão Geral dos Contratos no novo C O Código Civil de 2002 disciplinou os contratos da seguinte forma:

a) Título V – Dos contratos em Geral, subdividido em dois Capítulos (Capítulo I - “Das Disposições Gerais” - e Capítulo 2 - “Da Extinção do Contrato”). Tais capítulos são ainda estruturados em Seções, que versam sobre aspectos gerais da matéria contratual; b) Título VI – Das Várias Espécies de Contratos, subdividido em 20 capítulos, compartimentados em várias outras Seções, cuidando dos Contratos em Espécie.

Nota-se, no estudo dessa disciplina, que o codificador inovou, ao tratar de temas não regulados pelo Código anterior, a exemplo do contrato preliminar, do contrato com pessoa a declarar, da resolução por onerosidade excessiva (aplicação da teoria da imprevisão), da venda com reserva de domínio, da venda sobre documentos e do contrato estimatório. Além disso, disciplinou contratos novos, como a comissão, a agência/distribuição, a corretagem e o contrato de transporte, deixando de fazer referencia a alguns outros institutos, como, por exemplo, a cláusula comissória na compra e venda (art. 1163 do C-16). Perdeu-se, todavia, a oportunidade de se regular, pondo fim a infindáveis dúvidas, algumas importantes modalidades contratuais já de uso corrente, como o leasing, o franchising, o factoring, o consórcio, os contratos bancários e os contratos eletrônicos. Apesar dessas omissões, entretanto, devemos reconhecer que, no geral, o trabalho do codificador, na seara contratual, foi razoavelmente bem desempenhado, sobretudo por haver realçado a necessidade de imprimir sociabilidade à noção de contrato.1

2. Princípios do Direito Contratual a) o princípio da autonomia da vontade ou do consensualismo; b) o princípio da força obrigatória do contrato (“pacta sunt servanda”); c) o princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato; d) o princípio da função social do contrato; e) o princípio da boa-fé objetiva;

2.1. Observações acerca do princípio da função social do contrato

Devemos, de logo, ressaltar que a função social do contrato traduz conceito sobremaneira aberto e indeterminado, impossível de se delimitar aprioristicamente. HUMBERTO THEODORO JR., citando o competente professor PAULO NALIN, na busca por delimitar as suas bases de intelecção, lembra-nos, com acerto, que a função social manifestar-se-ia em dois níveis2:

a) intrínseco – o contrato visto como relação jurídica entre as partes negociais, impondo-se o respeito à lealdade negocial e à boa fé objetiva, buscando-se uma equivalência material entre os contratantes;

Contratos em Espécie integram a grade de curso complementar do LFG. THEODORO JR., Humberto. O Contrato e sua Função Social. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pág. 43.


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- 2 – Meus Documentos/Noemy/site b) extrínseco – o contrato em face da coletividade, ou seja, visto sob o aspecto de seu impacto eficacial na sociedade em que fora celebrado.

2.2. Observações acerca do princípio da boa-fé objetiva

Além das finalidades interpretativa, integradora e delimitadora de direitos subjetivos, o princípio da boa-fé objetiva ainda tem a função constitutiva (normativa) de deveres anexos ou de proteção, implícitos em qualquer contrato.

CONTRATO VÁLIDO ------------------------Æ RELAÇÃO OBRIGACIONAL: (FONTE PRIMORDIAL DE OBRIGAÇÕES) a) dever jurídico principal: prestação de DAR, FAZER ou NÃO FAZER; b) deveres jurídicos anexos ou satelitários (decorrentes da BOA-FÉ OBJETIVA): lealdade e confiança, assistência, informação, confidencialidade ou sigilo etc.

A boa-fé objetiva, pois, é o principio ou norma reguladora desses deveres de proteção, cuja enumeração não pode ser considerada taxativa3.

3. Formação do Contrato entre Ausentes: Tratamento Doutrinário e Legal

Em sala de aula, falamos da formação do contrato entre presentes, dando ênfase ao interessante problema da quebra da boa-fé objetiva pré-contratual. Complementaremos, aqui, a nossa matéria, analisando a formação do contrato entre ausentes. Fundamentalmente, a doutrina criou duas teorias explicativas a respeito da formação do contrato entre ausentes4:

a) teoria da cognição Æ para os adeptos dessa linha de pensamento, o contrato entre ausentes somente se consideraria formado, quando a resposta do aceitante chegasse ao conhecimento do proponente. b) teoria da agnição (dispensa-se que a resposta chegue ao conhecimento do proponente): b.1. Æ sub-teoria da declaração propriamente dita – o contrato se forma no momento em que o aceitante ou oblato redige ou datilografa a sua resposta. Peca por ser extremamente insegura, dada a dificuldade em se precisar o instante da resposta. b.2. Æ sub-teoria da expedição - considera formado o contrato, no momento em que a resposta é expedida.

“Entre os deveres com tais características encontram-se, exemplificativamente: a) os deveres de cuidado, previdência e segurança, como o dever do depositário de não apenas guardar a coisa, mas também de bem acondicionar o objeto deixado em depósito; b) os deveres de aviso e esclarecimento, como o do advogado, de aconselhar o seu cliente acerca das melhores possibilidades de cada via judicial passível de escolha para a satisfação de seu desideratum, o do consultor financeiro, de avisar a contraparte sobre os riscos que corre, ou o do médico, de esclarecer ao paciente sobre a relação custo/benefício do tratamento escolhido, ou dos efeitos colaterais do medicamento indicado, ou ainda, na fase pré-contratual, o do sujeito que entra em negociações, de avisar o futuro contratante sobre os fatos que podem ter relevo na formação da declaração negocial; c) os deveres de informação, de exponencial relevância no âmbito das relações jurídicas de consumo, seja por expressa disposição legal (CDC, arts.12, in fine, 14, 18, 20, 30 e 31, entre outros), seja em atenção ao mandamento da boa-fé objetiva; d) o dever de prestar contas, que incumbe aos gestores e mandatários, em sentido amplo; e) os deveres de colaboração e cooperação, como o de colaborar para o correto adimplemento da prestação principal, ao qual se liga, pela negativa, o de não dificultar o pagamento, por parte do devedor; f) os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte, v.g., o dever do proprietário de uma sala de espetáculos ou de um estabelecimento comercial de planejar arquitetonicamente o prédio, a fim de diminuir os riscos de acidentes; g) os deveres de omissão e de segredo, como o dever de guardar sigilo sobre atos ou fatos dos quais se teve conhecimento em razão do contrat ou de negociação preliminares, pagamento, por parte do devedor etc”

(COSTA, Judith Martins-. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 1999, p.439). Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, Contratos, vol. 3, 10. ed., Forense, pág. 25 e RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos Contratos e Declarações Unilaterais de Vontade. vol 3. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 1997.


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- 3 – Meus Documentos/Noemy/site b.3. Æ sub-teoria da recepção – reputa celebrado o negócio no instante em que o proponente recebe a resposta. Dispensa, como vimos, que leia a mesma. Trata-se de uma sub-teoria mais segura do que as demais, pois a sua comprovação é menos dificultosa, podendo ser provada, por exemplo, por meio do A.R. (aviso de recebimento), nas correspondências.

Mas, afinal, qual seria a teoria adotada pelo nosso direito positivo? CLÓVIS BEVILÁQUA, autor do anteprojeto do Código Civil de 1916 era, nitidamente, adepto da subteoria da expedição, por reputá-la “a mais razoável e a mais jurídica”.5 Por isso, boa parte da doutrina brasileira, debruçando-se sobre o art. 1086 do Código revogado, concluía tratar-se de dispositivo afinado com o pensamento de BEVILÁQUA:

perfeitos desde que a aceitação é expedida,(grifamos)

Art. 1086 (caput). Os contratos por correspondência epistolar, ou telegráfica, tornam-se

Na mesma linha, se cotejarmos esse dispositivo com o correspondente do Código em vigor, teremos a nítida impressão de que foi adotada a vertente teórica da expedição:

Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I - no caso do artigo antecedente; I - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; I - se ela não chegar no prazo convencionado. (grifamos)

Note-se, entretanto, que o referido dispositivo enumera situações em que o contrato não se reputará celebrado: no caso do art. 433; se o proponente se houver comprometido a esperar a resposta (nesta hipótese, o próprio policitante comprometeu-se a aguardar a manifestação do oblato); ou, finalmente, se a resposta não chegar no prazo assinado pelo policitante. Ocorre que se nós observarmos a ressalva constante no inciso I desse artigo, que faz remissão ao art. 433, chegaremos à inarredável conclusão de que a aceitação não se reputará existente, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante. Atente para essa expressão: “se antes dela ou com ela CHEGAR ao proponente a retratação do aceitante”. Ora, ao fazer tal referência, o próprio legislador acabou por negar a força conclusiva da expedição, para reconhecer que, enquanto não tiver havido a RECEPÇÃO, o contrato não se reputará perfeito, pois, antes do recebimento da resposta ou simultaneamente a esta, poderá vir o arrependimento do aceitante. Dada a amplitude da ressalva constante no art. 433, que admite, como vimos, a retratação do aceitante até que a resposta seja recebida pelo proponente, entendemos que o nosso Código Civil adotou a sub-teoria da recepção, e não a da expedição

Fonte: Novo Curso de Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos – vol. IV, tomo 01. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (Saraiva) (w.editorajuspodivm.com.br ou w.saraivajur.com.br)

Mensagem

“Quando idealizamos um projeto do bem, que contribua com o nosso crescimento e o da humanidade, o universo conspira a favor!”. Um grande abraço, amigos!

Força e Fé, sempre! Pablo.

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Obrigações.São Paulo: RED, 2000, pág. 238.


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Aula 02 Prof. Pablo Stolze Gagliano

1. Relembrando a principiologia contratual a) o princípio da autonomia da vontade ou do consensualismo; b) o princípio da força obrigatória do contrato (“pacta sunt servanda”); c) o princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato; d) o princípio da função social do contrato; e) o princípio da boa-fé objetiva;

2. Teoria da Imprevisão

A presente teoria somente interessa aos contratos de execução continuada ou diferida, ou seja, de médio ou longo prazo, uma vez que se mostraria inútil nos de consumação instantânea. Podemos, nessa linha de intelecção, decompor essa importante construção dogmática, nos seguintes elementos:

a) superveniência de circunstância imprevisível – claro está, assim, que se a onerosidade excessiva imposta a uma das partes inserir-se na álea de previsão contratual, não se poderá, em tal caso, pretender-se mudar os termos da avença, eis que, na vida negocial, nada impede que uma das partes tenha feito um “mau negócio”; b) alteração da base econômica objetiva do contrato – a ocorrência da circunstância superveniente altera a balança econômica do contrato, impondo a uma ou ambas as partes onerosidade excessiva; c) onerosidade excessiva – conseqüentemente, uma ou até mesmo ambas as partes experimentam um aumento na gravidade econômica da prestação a que se obrigou. Com isso, podemos concluir, consoante anotamos linhas acima, que a teoria da imprevisão não pressupõe necessariamente, enriquecimento de uma parte em detrimento do empobrecimento da outra. Isso porque, a superveniência da circunstância não esperada poderá haver determinado onerosidade para ambas as partes, sem que, com isso, se afaste a aplicação da teoria.

O novo Código Civil, todavia, preferiu afastar-se desta doutrina, exigindo “a extrema vantagem de uma das partes” como condição para a aplicação da teoria:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato. Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva. Vale lembrar, finalmente, que no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, a aplicação da teoria é mais favorável ao consumidor, pois dispensa o requisito da imprevisibilidade, razão por que é preferível o emprego da expressão “teoria da onerosidade excessiva”:


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“Art. 6°, CDC – São direitos básicos do consumidor: V- a modificação das cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosa.”

Por fim, fique atento ao posicionamento do STJ a respeito de contratos cuja correção esteve atrelada ao dólar, por conta da elevação inesperada da moeda e possível aplicação da teoria da imprevisão. Tantas foram as demandas, instauradas especialmente por quem havia celebrado contratos de leasing, e que sofreu com a elevação abrupta da moeda americana em 1999, que o STJ firmou o seguinte entendimento:

DIREITO DO CONSUMIDOR. LEASING. CONTRATO COM CLÁUSULA DE CORREÇÃO ATRELADA À VARIAÇÃO DO DÓLAR AMERICANO. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REVISÃO DA CLÁUSULA QUE PREVÊ A VARIAÇÃO CAMBIAL. ONEROSIDADE EXCESSIVA. DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DA VALORIZAÇÃO CAMBIAL ENTRE ARRENDANTES E ARRENDATÁRIOS. RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO. I – Segundo assentou a jurisprudência das Turmas que integram a Segunda Seção desta Corte, os contratos de leasing submetem-se ao Código de Defesa do Consumidor. I – A cláusula que atrela a correção das prestações à variação cambial não pode ser considerada nula a priori, uma vez que a legislação específica permite que, nos casos em que a captação dos recursos da operação se dê no exterior, seja avençado o repasse dessa variação ao tomador do financiamento. I – Consoante o art. 6º-V do Código de Defesa do Consumidor, sobrevindo, na execução do contrato, onerosidade excessiva para uma das partes, é possível a revisão da cláusula que gera o desajuste, a fim de recompor o equilíbrio da equação contratual. IV - No caso dos contratos de leasing atrelados à variação cambial, os arrendatários, pela própria conveniência e a despeito do risco inerente, escolheram a forma contratual que no momento da realização do negócio lhes garantia prestações mais baixas, posto que o custo financeiro dos empréstimos em dólar era bem menor do que os custos em reais. A súbita alteração na política cambial, condensada na maxidesvalorização do real, ocorrida em janeiro de 1999, entretanto, criou a circunstância da onerosidade excessiva, a justificar a revisão judicial da cláusula que a instituiu. V - Contendo o contrato opção entre outro indexador e a variação cambial e tendo sido consignado que os recursos a serem utilizados tinham sido captados no exterior, gerando para a arrendante a obrigação de pagamento em dólar, enseja-se a revisão da cláusula de variação cambial com base no art. 6º-V do Código de Defesa do Consumidor, para permitir a distribuição, entre arrendantes e arrendatários, dos ônus da modificação súbita da política cambial com a significativa valorização do dólar americano. (REsp 437.660/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 08.04.2003, DJ 05.05.2003 p. 306)

ARRENDAMENTO MERCANTIL. CLÁUSULA DE REAJUSTE PELA VARIAÇÃO CAMBIAL. ONEROSIDADE EXCESSIVA. REPARTIÇÃO DO ÔNUS. TUTELA ANTECIPADA. - A cobrança antecipada do valor residual garantido não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil” (Súmula n. 293-STJ). - A elevação abrupta do dólar norte-americano no mês de janeiro/9 representa fato superveniente capaz de ensejar a revisão contratual, devendo o ônus correspondente ser repartido entre credor e devedor. Tutela antecipada parcialmente concedida para tal finalidade. Recurso especial conhecido, em parte, e provido parcialmente. (REsp 502.518/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 19.05.2005, DJ 27.06.2005 p. 399)


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3. Contratos Atípicos

Por contratos típicos entendam-se aqueles que têm previsibilidade legal, ou seja, que são regulados pelo Direito Positivo, como a compra e venda, a doação, a locação, o depósito, o seguro, o comodato, o mútuo etc. São, portanto, figuras com assento na legislação em vigor.

Já os contratos atípicos, por sua vez, são aqueles não regulados em lei, como, por exemplo, os contratos de hospedagem, factoring e ingeneering, dentre tantos outros. Segundo doutrina do grande ORLANDO GOMES6, os contratos atípicos comportam uma sub-tipificação:

negocial)

a) contratos atípicos propriamente ditos – são aqueles criados ou “inventados” pelas próprias partes, que cuidam de celebrar um negócio jurídico inteiramente novo, com características específicas, e sem similar no direito positivo. São fruto da autonomia privada, limitada, como vimos, pelos princípios superiores de índole constitucional da função social do contrato e da dignidade da pessoa humana (este último compreensivo da necessidade de observância da boa-fé objetiva na relação Veja esta situação:

“DIREITO COMERCIAL E PROCESSO CIVIL. CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE. COMPARTILHAMENTO DE QUOTA SOCIAL INDIVISÍVEL. CONTRATO ATÍPICO. INAPLICABILIDADE DOS PRECEITOS CONCERNENTES AO CONDOMÍNIO. REGÊNCIA PELAS REGRAS CONTRATUAIS QUE NÃO CONTÉM ILICITUDE E NEM ATENTAM CONTRA A ORDEM PÚBLICA E OS BONS COSTUMES. PRECEDENTE. PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO. PEDIDO ESPECÍFICO. SENTENÇA QUE O ACOLHE PARCIALMENTE PARA DETERMINAR PROVIDÊNCIA DIVERSA DA SOLICITADA. NULIDADE. RECURSO DESACOLHIDO. I -O compartilhamento de quota de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, criada com cláusula de indivisibilidade, constitui contrato atípico, regido pelas regras definidas pelos contratantes, admissível desde que não se revista de ilicitude ou contrarie a ordem pública e os bons costumes, a ele não se aplicando o regime legislativo concernente ao instituto do condomínio. I -Contendo a inicial pedido específico de divisão da quota social em quotas menores, não se há de ter por implícito os pedidos de apuração de haveres ou de alienação da coisa comum pelo simples fato de haver nele referência à extinção do condomínio.” ( STJ, Acórdão RESP 61890/SP; RECURSO ESPECIAL (1995/0010905-0) Fonte DJ DATA:2/03/1999 PG:00207, JSTJ VOL.:00005 PG:00323, LEXSTJ VOL.:00120 PG:00124, RT VOL.:00767 PG:00188, Relator Min. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Data da Decisão 18/06/1998, Órgão Julgador QUARTA TURMA).

b) contratos atípicos mistos – são aqueles formados pela conjugação de prestações típicas de outros contratos existentes. Resultam, pois, da fusão de elementos de outros contratos positivados, resultando em uma figura nova, dotada de autonomia jurídica e unidade sistêmica. É o caso do contrato de hospedagem, que decorre da conjugação de elementos de outros contratos como a locação, o depósito, a compra e venda etc.

No que tange à disciplina jurídica dos contratos atípicos, três soluções são sugeridas para a resolução do problema:

a) teoria da combinação – neste caso, sugere-se que, ao interpretar o contrato atípico, deve o intérprete decompô-lo, aplicando-se a cada uma de suas partes as regras legais correspondentes ao contrato que lhe é similar; b) teoria da absorção – aplicam-se as regras legais correspondentes à prestação que lhe seja preponderante (assim, se em determinado contrato atípico prevalece a característica do depósito, aplicam-se-lhe as regras deste último); c) teoria da aplicação analógica – aplica-se ao contrato atípico as regras legais do contrato que lhe seja mais próximo (por analogia).

GOMES, Orlando, Contratos, 15 ed., Contratos., págs. 102 e s.


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Nenhum desses critérios convence, devendo-se mencionar a advertência de PEDRO VASCONCELOS:

menos com o direito dispositivo”

“Nos contratos atípicos, o intérprete tem de contar mais com as estipulações negociais e pode contar (VASCONCELOS, Pedro Pais de. Contratos Atípicos. Almedina: Coimbra, 1995, págs. 375-376).

O novo Código, por sua vez, posto não haja dedicado seção ou capítulo específico para a sua disciplina, fez-lhe expressa menção em seu art 425:

Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

OBS.: Não devemos confundir os contratos atípicos com a união ou a coligação de contratos, situação em que há pluralidade contratual. Imagine-se, por exemplo, a freqüente situação do dono do posto de gasolina que celebra com a indústria distribuidora vários contratos coligados entre si: empréstimo das bombas, venda do combustível, locação de equipamentos etc. Podem utilizar o mesmo instrumento (documento), mas são pactuados vários negócios, juridicamente distintos, posto unidos entre si. Vale dizer, vários contratos são celebrados, em coligação, não havendo, pois, um único negócio celebrado, mas sim, vários.

4. Vícios Redibitórios e Evicção

Tais temas, pela sua importância teórica, e na preparação para concurso, serão minuciosamente tratados na aula. Relembremos, neste ponto, os seus conceitos e características:

4.1. Vícios Redibitórios

Os vícios redibitórios, por definição, são defeitos ocultos que diminuem o valor ou prejudicam a utilização da coisa recebida por força de um contrato comutativo (art. 441, C-02; art. 1101, C-16). Poderíamos, assim, elencar os seguintes elementos caracterizadores ou requisitos do vício redibitórios:

a) a existência de um contrato comutativo (translativo da posse e da propriedade da coisa); b) um defeito oculto existente no momento da tradição; c) a diminuição do valor econômico ou o prejuízo à adequada utilização da coisa.

4.2. Eviccção

Consiste a evicção na perda7, pelo adquirente (evicto), da posse ou propriedade da coisa transferida, por força de uma sentença judicial ou ato administrativo que reconheceu o direito anterior de terceiro, denominado evictor. Em nosso Código Civil, a evicção é disciplinada a partir do seu art. 447 (art. 1107, C-16):

Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.

A primeira parte do dispositivo deixa bem claro quem responde pelos riscos: o alienante. E para que a sua responsabilidade se manifeste, três requisitos devem se conjugar:

Lembra a dica de memorização que demos na aula? Evicção = Perda...


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- 8 – Meus Documentos/Noemy/site a) aquisição de um bem; b) perda da posse ou da propriedade; c) prolação de sentença judicial ou execução de ato administrativo.

5. Arras

Em um primeiro sentido, as arras significam princípio de pagamento, é o sinal dado por uma das partes à outra marcando o início da execução do negócio. As denominadas arras confirmatórias tornam firme a avença, não assistindo às partes direito de arrependimento algum. Caso deixem de cumprir a sua obrigação, serão consideradas inadimplentes, sujeitando-se ao pagamento das perdas e danos.

O Código Civil de 2002, aprimorando o tratamento da matéria, cuida de disciplinar o destino das arras confirmatórias após a conclusão do negócio, nos termos do seu art. 417 (art. 1096, C-16):

“Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal”.

Não admitem, pois, essas arras, direito de arrependimento.

E o que aconteceria se, não obstante as arras dadas, o contrato não fosse cumprido? Neste caso, responde-nos o art. 418, C-02 (art. 1097, C-16), se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra considerá-lo desfeito, retendo as arras dadas; se, entretanto, a inexecução obrigacional for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir a sua devolução mais o equivalente (perdas e danos), com atualização monetária, segundo os índices oficiais, juros e honorários de advogado. É cabível, outrossim, indenização suplementar:

“Art. 419. A parte inocente pode pedir a indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização”.

As arras penitenciais, por sua vez, diferentemente das confirmatórias, garantem o direito de arrependimento, consoante podemos observar da leitura do art. 420:

“Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar”. (grifos nossos)

Finalmente, cumpre-nos observar ainda que o art. 420 do C-02 proibiu, no caso das arras penitenciais, a indenização suplementar, além daquela correspondente à perda das arras. Esse entendimento, aliás, já havia sido sufragado pelo excelso Supremo Tribunal Federal para as promessas irretratáveis de compra e venda, consoante assentado na sua Súmula 412:

“No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem a recebeu, exclui indenização a maior, a títulos de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo”.


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6. Extinção dos Contratos

Estudaremos, no curso, as seguintes formas de dissolução do contrato - a resolução, a resilição e a rescisão:

a) resolução – traduz o desfazimento contratual em caso de inadimplemento; b) resilição – traduz o desfazimento contratual por simples manifestação de vontade de uma (resilição unilateral) ou de ambas as partes (resilição bilateral ou distrato); c) rescisão – é comumente empregada no sentido de resolução, mas, no pensar de doutrinadores clássicos, deveria ser utilizada apenas para caracterizar o fim do contrato em caso de lesão ou estado de perigo.

7. Direito Intertemporal e os Contratos8

Com a entrada em vigor do novo Código Civil, importantes problemas referentes ao Direito Intertemporal poderão ser suscitados, exigindo do magistrado redobrada cautela. Um desses problemas diz respeito à possibilidade de incidência da lei nova em contratos celebrados antes de 1 de janeiro de 2003. Tentando dirimir eventual conflito de normas, o Código Civil, em seu art. 2035, dispõe que: “A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. Segundo esta regra, os negócios jurídicos celebrados antes da entrada em vigor do novo Código continuarão regidos pelas leis anteriores (Código Civil de 1916, Código Comercial), no que tange aos seus pressupostos de validade (nulidade e anulabilidade). Destarte, tomando como exemplo um contrato de mútuo (empréstimo de coisa não fungível) celebrado em 2000, não poderá o intérprete invocar os pressupostos de validade do art. 104 do C-02, eis que continuará a ser aplicada a regra anterior do código revogado (art. 82 – agente capaz, objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei). Da mesma forma, não se deve pretender aplicar as regras da lesão e do estado de perigo (defeitos do negócio jurídico), inauguradas pelo Código de 2002 (art. 156 e 157), restando ao hermeneuta recorrer a outros meios de colmatação, eventualmente aplicáveis, e à luz da disciplina normativa anterior. Por tais razões, um contrato celebrado por um menor de 18 anos, antes de 1 de janeiro (data da entrada em vigor do novo Código), continua sendo anulável (art. 147, I, C-16), a despeito da redução da maioridade civil (18 anos), eis que, à época da celebração do negócio, segundo a lei então vigente, o ato seria considerado inválido. Aliás, esta impossibilidade de retroação dos efeitos da lei nova para atingir a validez dos negócios já celebrados apenas consubstancia a observância da regra constitucional que impõe o respeito ao ato jurídico perfeito (art. 5°, XXXVI, CF). No entanto, se, por um lado, não pode a lei nova atingir a validade dos negócios jurídicos já constituídos, por outro, se os efeitos do ato penetrarem o âmbito de vigência do novo Código, deverão se subordinar aos seus preceitos, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Esta parte final do caput deverá causar polêmica, e abrir margem à insegurança jurídica. Para melhor entendê-lo, cumpre-nos marcar, neste ponto, um divisor de águas: quanto ao aspecto de sua validade, não poderá o Código de 2002 atingir negócios celebrados antes da sua vigência; no entanto, quanto ao

Artigo que publicamos no w.novodireitocivil.com.br e desenvolvido em nosso volume IV – Teoria Geral dos Contratos.


Disciplina: Direito Civil
Tema: Teoria Geral dos Contratos
Prof.: Pablo Stolze Gagliano
Data: 23 e 25/05/2006

- 10 – Meus Documentos/Noemy/site seu aspecto eficacial, ou seja, de executoriedade ou produção de seus efeitos, caso estes invadam o âmbito temporal de vigência da nova lei, estarão a esta subordinados. Um exemplo. Imaginemos um contrato de financiamento celebrado em 1999, de execução repetida no tempo (trato sucessivo), em que o financiado se obrigou a pagar, mensalmente, prestações pecuniárias à instituição financeira pelo prazo de 5 anos. Pois bem. Entra em vigor o novo Código Civil. Este, por expressa dicção legal, não poderá interferir na validade do negócio celebrado, embora os efeitos do contrato – de execução protraída no tempo – se sujeitem às suas normas (art. 2035). Com isso, regras como as relativas à “resolução por onerosidade excessiva” (arts. 478 a 480), à “correção econômica das prestações pactuadas” (art. 317), ao “aumento progressivo de prestações sucessivas” (art. 316), ou às “perdas e danos” (arts. 402 a 405), para citar apenas alguns exemplos, poderão ser imediatamente aplicadas aos negócios jurídicos já constituídos, por interferirem, apenas, em seu campo eficacial ou de executoriedade. Entretanto, nos termos da parte final do art. 2035, se as partes houverem previsto outra forma de execução, a exemplo da execução instantânea (que se consuma imediatamente, em um só ato), ou se afastaram a incidência de determinadas regras consagradas na lei nova – que não tenham substrato de ordem pública – a exemplo do aumento progressivo das prestações sucessivas, poderá ser evitada a incidência da nova lei. Mas observe: determinadas normas, como a que prevê a resolução por onerosidade excessiva ou a correção econômica das prestações pactuadas, em nosso pensamento, por seu indiscutível caráter publicístico e social, não podem, a prioristicamente, ser afastadas pela vontade das partes. Finalmente, o parágrafo único do artigo sob comento, utilizando linguagem contundente, determina que “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social dos contratos e da propriedade”. Utilizando a expressão “nenhuma convenção”, o legislador impõe a todos os negócios jurídicos, não importando se celebrados antes ou após a entrada em vigor do novo Código, a fiel observância dos seus preceitos de ordem pública, especialmente a função social da propriedade e dos contratos. Assim, contratos que violem regras ambientais ou a utilização econômica racional do solo, assim como as convenções que infrinjam deveres anexos decorrentes da cláusula de boa fé objetiva (lealdade, respeito, assistência, confidencialidade, informação), expressamente prevista no art. 422 do novo Código, não poderão prevalecer, ante a nova ordem civil.

Fonte: Novo Curso de Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos – vol. IV, tomo 01. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (Saraiva) (w.editorajuspodivm.com.br ou w.saraivajur.com.br)

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